2 de julho de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta VII (última)



Minha querida Inês,

Sinto a tua falta, hoje mais do que todos os dias anteriores, pois faz um ano que partiste. Deves fazer ideia do que estou a sentir. Do que desejaria não sentir. Faço um esforço enorme para secar meus olhos, mas é impossível pois estas lágrimas não param. Elas escorrem como sangue, e desejo desesperadamente parar de sentir. Mas não paro. Sinto, sinto-te cada vez mais. Sinto-te neste ar que respiro, entrançando meu coração em fios de dor. Sinto como se os anjos soprassem no nosso quarto a essência do teu ser. E assim, deitado entre os lençóis, numa tempestade de lágrimas, respiro-te. Respiro-te porque adoro-te, respiro-te porque amo-te. Porque toda a hora anseio-te e espero-te, mesmo sabendo que nunca mais voltarás.
 Hoje vou ganhar coragem e irei visitar a tua campa. Vou levar-te a nossa primeira foto juntos, que guardei com especial carinho. Vou levar o teu sorriso, que se eternizou no meu coração. Também levarei os desejos que te invocam. Levarei as palavras que me ofereceste, os beijos, os sussurros… Levar-te-ei inteira comigo! Triste pelas palavras que não falei, pelos olhares que não lancei, pelos momentos que não realizei. Deixarei teu espírito envolver-me, deixarei me abraçares como o fizeste no dia do teu sepulto. Meu corpo todo arrepiado, sentindo-te tanto, criando dentro de mim um vulcão a transbordar lava de saudade. É uma saudade de ter, de ser, de lembrar, de ver e sentir.
Às vezes me pergunto, porque te amo tanto, ao ponto de não querer amar mais ninguém? Pergunto na esperança de esquecer a resposta. Mas ela surge sempre na minha mente. Porque tu me amaste com a mesma intensidade, morreste me amando, e eu nunca esquecerei isso. Sei que nunca encontrarei alguém que possa sequer chegar perto do teu amor, alguém que consiga me cativar da maneira que o fizeste. Serás sempre aquela pessoa que lembrarei antes de adormecer, e a primeira pessoa que pensarei, assim que despertar pela manhã.
            Já revi vezes sem conta o nosso álbum de fotos. Às vezes passam horas desde que o abro até fechá-lo. Para mim parecem segundos, pois perco-me no tempo, ao ver desfilar no meu pensamento tantos bons momentos da nossa vida. E como tu eras linda, meu amor. Tu eras maravilhosamente linda, mesmo que estivesses de pijama velho e cabelos emaranhados. Lembras-te daquele fim-de-semana nos Maroços, quando fomos ajudar o teu pai a regar a fazenda? Estavas com uma camisa xadrez dele, que te ficava enorme, usavas uns calções de ganga desbotados e calçavas botas de água. E mesmo assim continuavas linda. Como era bom apreciar-te, sabendo este sentimento cá dentro te venerando.
Quero que nunca duvides que continuarei a venerar-te, continuarei a amar-te, pois mesmo que tenhas morrido para o mundo, vives eternamente dentro de mim. Quero que em todas as palavras que te escrevo encontres a minha essência; entendas o meu querer, compreendas o meu sentir, e este nefasto pensar que me vem agoniando. Aqui, mergulhado em saudades, já tenho as lágrimas transfigurando meu rosto. Fecho os olhos. É como se estivesses aqui. Abro os olhos e vejo teu corpo a afastar-se, a fundir-se com o horizonte. Pareces voltar, mas não; é apenas um avião que atravessa a baía de Machico. Ele chega. Mais tarde partirá. Como tu partiste.
Não! Tu não partiste!
Estás comigo. Aqui. Agora. Sempre.

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 "Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno

16 de junho de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta VI



 Flor dos meus olhos,

Hoje é quarta-feira. O mundo lá fora passa. E eu que tanto sonhei, e eu que quis viver na profundeza do teu amor, estou aqui, reflorescendo numa flor cheia de medos. A dor, em mim tingida, enche-me o coração… Essa dor, pintada de uma negra cor, me possui de solidão. E se viesses invadir com esse teu jeito estonteante, este mundo desventurado, quebrando as regras dos céus, deste universo imperioso? Esta quarta feira, certamente seria diferente.
Parece que as horas não passam. Ah, meus nobres pensamentos, que bondosamente vão dando um pouco de paladar a esta amarga vida. Sabes, enquanto estiveste ao meu lado tentei dar-te tudo aquilo que uma mulher merece. Não era nenhum desafio, mas um propósito genuíno do meu coração. Às vezes, porém, acredito que não disse as palavras perfeitas, na hora certa, no momento exacto. Sei que me desculpas isso. Pois sabes que envolvi o teu coração e o teu corpo com toda a minha ternura, fazendo com que respirasses uma delicada paz. Tentei sempre que estava ao meu alcance não permitir que a dor, por mais leve que fosse, chegasse até ti. Amei e entendi os teus silêncios, e agradeço-te teres respeitado os meus. Hoje consigo perceber plenamente porque dizem que os amores profundos cultivam-se em silêncio. Estive ao teu lado nos momentos de inquietude, e tentei serenar-te mostrando soluções para os problemas que te perturbavam.
Amei-te todos os dias, como se não houvesse amanhã, e sentia o teu contentamento por isso. Ver teus sorrisos era para mim uma gratificação espantosa. No teu rosto lembrarei sempre a moldura desses sorrisos. Por mais tempo que passe é impossível esquecer tudo aquilo que vivenciamos. Duas vidas que se uniram numa união perfeita, sendo impossível separá-las. Não é a tristeza da tua morte que fará com que este laço que nos uniu se desenlace... Não, meu coração prende-o fortemente, como prometemos naquele dia em que estávamos vendo o pôr-do-sol: Amar-nos eternamente.
Minhas lágrimas hoje caem das lembranças de momentos só nossos, momentos lindos, momentos íntimos que nos davam uma felicidade indescritível. Sei que um dia partirei para onde tu partiste, levarei este coração que tem teu retrato como pano de fundo, e feliz descansarei...
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Carta 6 de 7 de "Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno

30 de maio de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta V



Meu sonho lindo,

Continuo a escrever-te como se fosses ler quando chegasses a casa, encontrando esta carta em cima da cama, dentro dum coração feito de pétalas de rosas vermelhas. Quero dizer-te aquilo que tu já sabes. Não aguento a dor desta tua ausência. Simplesmente vivo do passado. Vivo de ti. Vivo do nosso amor. E é eterno este sentimento que agora machuca. Sinto-te em cada pêlo que vive na minha pele, em cada partícula dessa pele que cobre meu corpo repleto de veias, onde o meu sangue corre a pensar em ti. E por te sentir tanto, escondo-me da verdade, não querendo interiorizá-la em mim. E fujo, como um prisioneiro sem rumo. Mas onde estás tu?
Ontem julguei ver-te no infinito, enquanto estava sentado no Jardim da Graça, sentindo o vento percorrer os espaços vazios no anoitecer do dia. Estavas linda, brilhavas como quando te vi pela primeira vez, formosa numa completa doçura corporal. Mas rapidamente desapareceste. De tantas estrelas que via, tu, a estrela que mais queria não encontrava. Fechei os olhos, e a noite encheu-me de solidão. E subitamente o Verão tornou-se Inverno, e a chuva pedia-me esmola num sufrágio dos céus. Choro sem lágrimas, grito sem voz, abraço-te sem estares aqui… Perdido no nosso sonho, esperando por ti, como se disso dependesse a minha vida. E escrevo-te porque minha mão me tortura, porque vivo em amargura, e tenho medo de entrar na loucura.
Hoje falei com Deus. Pedi-lhe para mudar o guião do meu destino e te trazer de volta para mim. Pedi-lhe perdão por, às vezes, desejar estar no lugar dele, só para estar junto a ti. E pedi-lhe em pranto que fizesse da minha vida um poema, trazendo-te numa nuvem de algodão, enchendo assim de felicidade o meu coração. Não sei se ele me ouviu, mas senti por momentos uma serenidade dentro do meu peito, desvanecendo parte da minha tristeza. Comecei a olhar para a nossa parede azul, lembrando-me de quando estivemos naquela tarde primaveril a pintá-la. Podíamos até não saber pintar, mas é o azul mais lindo que alguma vez quereria ter no nosso quarto… Um azul pintado com amor… Nós próprios cheios desse azul, cheios desse amor. Acabámos essa noite no velho cais de Machico, com mergulhos que nos tiraram o azul… Mas não tiraram o amor.
Hoje sou recluso desse amor. Rego-te todos os dias, minha flor de saudade, no jardim do meu coração. Engano a dor que insiste em arder silenciosa, ao divagar em sonhos tão profundos que alguns nem cabem neste mundo. Ai se eu pudesse ir ao limite desses sonhos, e num instante atroz conseguisse embrulhá-los junto da minha realidade presente! Provavelmente congelaria o tempo e me deleitaria eternamente com o teu rosto inocente e macio, com o teu perfume de paixão, com o teu olhar que me deixa sem palavras, e com o teu corpo que é um raro e cativante diamante lapidado.
Sabes amor, não sei que dia é hoje, nem sei que horas são, porque isso também não interessa. Não tenho relógio, pois não existe tempo sem ti. Tu eras a minha bússola. Eu sabia a cada dia para onde tinha de ir, o que tinha que fazer e o porquê de o fazer. Sabia, porque tinha um objectivo definido. Era amar-te e fazer-te feliz. Tudo o que fazia girava em torno de ti, e adorava, porque fazias-me feliz.
A noite já deve ir longa mas não tenho sono, não quero dormir. Faz-me lembrar aquelas noites frias quando fingia ficar com insónias para passar a noite inteira junto a ti, olhando no interior dos teus olhos e oferecendo-te um bocadinho do meu calor. Calor que tu criaste, o nosso, o meu. E era tão bom, porque lá fora o frio arrepiava. Tu sabias que as insónias eram só uma desculpa, pois dias depois também tu já aparecias com insónias, enfim, desculpas para uma plena aproximação enfeitada de um sublime amor. Nós teimávamos em apertar os nossos corpos um ao outro, talvez acreditando que a nossa conjunção astral se tornasse na realidade carnal. Mas carnal era o desejo que existia, além do amor. Sexo é como chamam os humanos. Aquilo que muitos pensam ser o auge da afectividade. Longe disso. Uma terapia, talvez. Para nós era o complemento perfeito para tudo aquilo que se resumia num imensurável e genuíno amor. Ai, saudades, saudades!
Lembro princesa das nossas conversas, dos planos imensos para um futuro cheio de simplicidade e de magia ao mesmo tempo, lembro-me de tudo. E porque me lembro não consigo viver mais uma vida que não faz sentido. Sabes, esta dor, eu não sei como suportá-la. É como uma flecha a espetar-me a solidão. Depois de partires essa solidão tornou-se a minha companheira constante, e sei que até sempre, pois não existe ninguém mortal que te possa substituir. É o que sinto. Ou talvez o meu subconsciente não quer aceitar que te perdi. Não sei. O que eu sei é que aqui ao meu lado está a solidão, e se um dia ela se cansar de mim, provavelmente estarei indo ao teu encontro.

Porque te amo princesa, esta carta é para ti. Para ti, para sempre.
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Carta 5 de 7 de "Pedaços de Mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno

9 de maio de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta IV



Minha eterna amada,

Esta noite fiz a tua sobremesa favorita, tarte de natas. Coloco no teu lugar uma fatia. A cadeira está vazia, mas ela é tua. A noite é linda, mas não tem Lua. A dor é suportável, mas é crua. Fecho os olhos, mas a dor continua. Dirijo-me para o quarto, imagino-te ali nua. Tento te abraçar, mas a tua imagem dissipa-se, recua. Choro, vou jogar-me para a rua. Percorro assim algumas das ruas de Machico, que um dia também percorremos. A minha mente vagueia, os meus pensamentos vão e voltam, amassam-se, e o meu corpo não consegue compreender.
Sinto-me sufocado com a tua falta. Preciso dizer-te o que penso e sinto. Como se ainda estivesses aqui, no momento derradeiro da tua ida. Mas minha voz se descinge, e grito um silêncio ensurdecedor. Estou com uma raiva imensa da Morte! Se pudesse, mataria a Morte numa morte mortificante. Estou perdido dentro de mim mesmo, num labirinto infinito de saudades.
Lembrando-me de ti, do tempo em que estavas ao meu lado. Mas quando recordo esses tempos, a saudade magoa contraindo o meu peito, como uma ferida aberta que nunca se restabelecerá. Lembro meticulosamente as brincadeiras, as carícias, as longas noites de amor puro, a ternura, o respeito, a compreensão, a amizade, e aquele muito restante que jamais voltará. Lembro-me do teu jeito de me tornar menino, aquelas maluquices, as cócegas, as sessões de cinema em casa, aquele delicioso gelado, que na tua pele mais delicioso ficava. Recordo-me dos momentos de entrega total, sem vergonha ou pudor, onde nos desnudamos fervorosamente de corpo e alma, como se estivéssemos a arder, correndo desesperadamente para a água do mar. E ardíamos. Ardíamos de sentimentos, de expressões corporalmente irrepreensíveis de um grande e raro amor.
Hoje arde a dor, descontroladamente, com este coração transbordando de saudades, com uma febre do desejo não saciado, sabendo que no dia em que partiste a vida deixou de fazer sentido. E ainda sinto tuas mãos a percorrer o meu corpo, ainda sinto o teu respirar intenso nos teus auges de prazer, ainda sinto que poderás vir novamente me fazer feliz.
E chamam-me louco. Temo que a verdade seja superior a mim, à minha capacidade de resistir-lhe. Receio não ser capaz de querer acordar um dia, para não sofrer com este vazio insustentável no meu ser. Às vezes gostava de não me lembrar de nada, pois quanto mais me lembro, mais sofro. E quanto mais sofro, menos vontade tenho de viver. E quanto menos vontade de viver, mais desejo morrer para ir ter contigo. E então volto a querer me lembrar de tudo! Os dias que teimosamente apressavam-se a passar quando eu tinha-te junto a mim. As noites que percorremos distâncias longas que ficavam curtas, pelo que poderia ser uma passadeira rolante, o amor. Ele encaminhava-nos pelo horizonte. E quantas vezes vimos o nascer do Sol, erguendo-se lentamente para nos iluminar?
Recordo-me como se fosse hoje aquele amanhecer inesquecível junto ao farol de São Roque, quando os primeiros raios desfilavam na tua cara linda e tu sorrias e me dizias: O Sol já nasceu, e mais um dia o meu amor por ti cresceu. Mas por que o Sol ainda nasce, se a minha vida sem ti é noite? Se tudo hoje é negro, ou uma cor qualquer vestida de preto? Se o Sol nasce e já não me aquece? Se eu procuro-te e já não te encontro? Se eu vivo e já não sinto o sabor da vida? Mas digo-te a ti que essas tuas palavras são hoje verdades do meu coração para o teu, esteja ele onde estiver...

  O Sol continua a nascer e o meu amor por ti continua a crescer.
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 * Carta 4 de 7 de "Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno

4 de abril de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta III


  
Minha doce borboleta,

Hoje beijo o silêncio perfumado de ti e suspiro alegremente. Não estás comigo, mas consigo sentir-te. E em todas as nossas recordações, mordo-me de saudades, em lágrimas decadentes, esquecendo-me quem sou. Esquecendo-me de algo chamado futuro. Esquecendo-me daquilo que preenchia contigo o meu coração; uma menina dócil, brincando com uma bonequinha tão querida quanto ela, uma menina que eu chamava Felicidade. Essa menina existia contigo. Agora não a vejo, vejo apenas a boneca ali abandonada no chão e ao seu lado, sorrindo, uma bruxa chamada Tristeza, ao lado dum monstro chamado Sofrimento.
Recordo com esse monstro a última vez que estivemos juntos, e é uma dor que atravessa bem fundo a planície dos meus sonhos. Tu estavas aqui, fremente e nua, deitada bem junto a mim. Tuas mãos fechadas, de medo, de incertezas abriram-se e dirigiram-se para a minha face. Tremias, e eu é que sentia medo. Acariciaste-me, arrepiando cada pedaço de pele do meu vulnerável corpo. Lá fora começara a chover. E no tilintar dos pingos de chuva que para lá da vidraça ecoavam, beijaste-me num momento tão de si saciável, com uma ternura que só tu eras capaz de transmitir. Teus lábios doces, que ainda hoje guardo o sabor, percorriam assim as ruas do meu corpo, como se eu me sentisse numa moldura de um génio pintor.
Queria mais, queria muito mais. Queria intensificar o sentimento que surgia no meu coração. Massajei teu pescoço, conseguindo sentir os arrepios que se instalavam em ti, e deixei as minhas mãos correrem ao sabor daquela profanada vontade, […] culminada no silêncio rangente dos nossos corpos suados, enfim, já destinados ao descanso, saboreando o cúmplice momento. E ficámos aqui, nas carícias que tanto adorávamos, apenas com um lençol sobre nós olhando o coração que um dia desenhei no tecto deste quarto. O quarto até podia ser pequeno, mas o nosso amor era tão grande! Era e sempre será. Podes estar onde estiveres, posso nunca mais te olhar, te tocar, mas meu coração nunca deixará de sentir o sentimento que tão deliciosamente nasceu. E talvez seja por isso que sinto-me a viver num mundo que não é o meu, feito de personagens de um filme onde não me encontro no guião.
Dizem-me que tenho de me conformar, que tenho de deixar de pensar sempre em ti, mas não consigo pois é impossível esquecer-te. É impossível esquecer uma vida que criámos, insubstituível por qualquer outra escolha humana possível, porque a nossa vida era mais que humana, era transcendental, puramente divina.
Hoje deves estar com os anjos… Falando de mim, das loucuras que cometemos como dois parvos… Pois, não dizem que o amor faz as pessoas parvas? É verdade. Fomos parvos desde que decidimos partilhar a nossa vida indefinidamente. Uma vida plena de afinidades, como se tivéssemos um idioma só nosso, feito de expressões corporais. Havia uma cumplicidade que lampejava, mesmo que não estivéssemos perto um do outro, mesmo que nossos olhos não se cruzassem. Completavas-me em absoluto. Parecia tudo perfeito. Desde o acordar até ao adormecer… Nas pequenas e nas grandes coisas…
Lembro-me das manhãs maravilhosas em que os raios do Sol rompiam pelo quarto adentro, quando te levava o pequeno-almoço à cama. Recordo-me das nossas birras, que rapidamente desapareciam, dos devaneios na piscina, das confusões na cozinha, dos caprichos na cama, até das “secas” que, sem querer, por vezes me davas… Tudo, tudo completava-me.
Contigo não havia gesto inacabado, não havia história sem fim, nem Sol escondido para um lindo jasmim.
Contigo… Sorria.
E como gostava de viver assim!
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* Carta 3 de 7 de "Pedaços de Mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno