10 de março de 2012

"Pedaços de mim, Pedaços de Nós" - Carta I


Imagem retirada da Internet

Querida,

Preciso escrever-te. Preciso escrever-te, porque te amo. Amor que fervilha cá dentro, misturado num rasgo de dor pela tua eterna ausência. Quero escrever-te com palavras simples, como eu, como nós, como o nosso amor. Palavras que transbordem sentimentos, palavras que eternizem momentos, palavras que representem sonhos e realizações. E sei que não realizámos tudo aquilo que sonhávamos. Isso magoa-me. Por isso muitas das palavras que te escrevo são palavras sofridas, pinceladas com lágrimas que caem do meu rosto.
Estou sentado na varanda do nosso quarto, onde inúmeras vezes nos sentávamos abraçados, num silêncio cúmplice e intimista. Observo a baía de Machico sempre bonita, e recordo numa sufocada memória os vários momentos vividos intensamente perto dela. Sabes, contigo a baía era muito mais bela.
Escuto o canto das gaivotas lá ao fundo, vejo bem longe as luzes dos barcos de pesca, e sinto uma brisa envolver minha pele com a mesma mansidão triste que as saudades de ti envolvem meu coração. Foram essas saudades que levaram-me a abrir o nosso cofre, e fizeram-me reler as primeiras cartas que me enviaste. Relê-las, traz-me uma singela sensação de paz, ao mesmo tempo que tortura meu coração.
Percebo que o teu amor ultrapassou as barreiras do meu imaginar, por isso talvez sejas mais do que todas as letras que consiga alinhar nesta carta que nunca lerás. O tudo é pouco, quando penso e falo de ti. Porque tu foste capaz de me levar a lugares que nunca imaginei existirem, sem que meus pés sequer saíssem do chão. Quero agradecer-te por isso. Quero agradecer-te pela perfeição que foi a nossa vivência. Nem a poesia mais bela é capaz de descrever amor tão sublime.
Deito-me no nosso cadeirão e abraço a tua ausência. Se calhar hoje adormecerei aqui. Sinto a impossível esperança de voltares quando acordar, como vimos no filme “If Only”: Ter-te só por mais um dia e, no fim, ser eu a partir para tu ficares.
As lágrimas passeiam na minha face. Dói pensar. Dói viver sem ti. Volto a pegar nas tuas cartas. Sabes, elas ainda têm o teu doce perfume. Sinto-te tanto! Os meus sorrisos inocentemente espontâneos, brilham nesta noite insípida, por cada frase que meus olhos lêem. Respiro um ar diferente. Talvez um ar com partículas de amor, misturadas com a essência do divino. Ar que inúmeras vezes nos faltou, quando olhávamo-nos como se o mundo fosse acabar nos próximos instantes e nunca mais nossos olhos se beijassem.
 Recordo quando segurei o teu doce rosto e disse-te que nunca vi nada mais lindo na minha vida. Pura verdade, essa beleza que vinha da profundeza do teu interior, espalhando-se por cada parte do teu corpo. Quando olhei-te nos olhos e não consegui dizer palavra alguma, apenas chorei. Eu não te amo. Isto não é amor! Deve haver algo que traduza melhor isto que agita cá dentro. Começo a sentir necessidade de criar uma palavra nova no meu vocabulário. Sim, uma palavra que defina na plenitude esta colmeia de sentimentos que nutro por ti. Vou criar essa palavra no meu silêncio, e nessa mudez te gritarei com toda a intensidade do meu palpitante coração. Um coração incontido, perfurado com o golpe cruel do destino.
Há uma inquietude gritante dentro de mim! Choro. Choro porque esta dor de perder-te para o berço da morte, aguilhoa-me continuamente. Tu invadiste a minha vida de mansinho e fizeste-a entrar numa rota mágica. Foste a personificação de tudo aquilo que sempre sonhei, até conseguiste ser maior do que julgava-te em sonhos. Foste a minha digna princesa e orgulhavas-te de ser eu o teu príncipe. Eu amei-te… Num cristalino amor que tu me retribuíste. Entreguei-me a ti, todo, completamente, pela certeza desse amor e recebi-te, como um menino que recebe o brinquedo dos seus sonhos que jamais acreditava receber. Amei-te tanto que, às vezes, até esquecia de gostar um pouco de mim. Tudo o que tinha cá dentro era para ti. E como eu era tão feliz!
Ontem, enquanto passeava pela Alameda dos Álamos, observei um casal a discutir, com semblantes de raiva e ódio. Onde estava o amor? Onde está o amor neste mundo hipócrita? Porque é que quem tem oportunidade de amar inteiramente de coração não valoriza o amor? Porque é que a maioria das pessoas quando perde alguém, quando já é tarde demais, é que entende a preciosidade desse sentimento? Ou nunca entende… Que pobreza interior! Apeteceu-me dizer àquele casal: Amanhã pode ser o último dia da vossa vida, é isto que querem levar? Amem-se simplesmente.
Continuando o meu passeio, lembrava-me quando caminhavas comigo. As nossas mãos entrelaçadas, os nossos olhos cintilando, as palavras confidentes e íntimas que trocávamos… Quantas vezes te abracei, esquecendo tudo à nossa volta! Era tão lindo prender-te nos meus braços, beijar-te, fazer-te aquelas cócegas e encher-te de mimos. Navegávamos para um mundo só nosso, que criámos com cada fragmento do nosso amor, e quando voltávamos, olhando a multidão à nossa volta, ríamos… Ríamos tanto!
Oh, que saudades meu amor dessas doces viagens. Hoje sei que nunca mais serei feliz, como fui contigo. E se surgir alguém que se atreva a dizer que pareço feliz, acredita que certamente será uma falsa felicidade. Levarei esta dor cravada no meu coração desfigurado, e nem o tempo, o silêncio e a tua ausência farão com que eu deixe de amar-te.
Porque amar-te é tudo o que me resta nesta vida. 
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* Carta 1 de 7 de "Pedaços de Mim, Pedaços de Nós" - 3º premiado do VI Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega - Camões Pequeno

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